A estranha Federação brasileira
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Germano Rigotto, governador do Estado A Federação brasileira tem peculiaridades que a tornam um fenômeno estranho no contexto internacional. Em todas as nações que se organizam sob a forma federal, seu pacto constitutivo é a argamassa da unidade nacional, impondo-se sobre quaisquer outras identidades e, por vezes, absorvendo fortes diferenças ou divergências existentes entre os entes políticos que as formam. Pacto federativo é coisa séria, portanto. Sua eventual ruptura equivaleria ao desfazimento da nação. Em todo mundo é assim, menos no Brasil. Aqui, pacto federativo, por motivos históricos, se tornou figura de linguagem. O Brasil nasceu estado unitário, com governo central e províncias, assumindo forma federativa somente após a proclamação da República, como meio de atender ao desejo de autonomia que se desenvolveu no seio das províncias durante o Império. Diversas revoluções ocorridas no século XIX foram expressão desse sentimento que acabou reforçando e se identificando com o ideal republicano. A Federação brasileira, portanto, é um ajuste, não um produto. No reverso das demais federações existentes no mapa político mundial, aqui não foram os Estados que decidiram se constituir em Federação, mas a Federação que resolveu se cindir em estados federais. Essa realidade histórica afeta de modo negativo, ainda hoje, as relações internas do país, e foi agravada, sob o ponto de vista cultural e operacional, pelo fato de que durante muitas décadas do período republicano convivemos com regimes de exceção que impuseram, também, enorme centralização do poder político nacional. A repartição do bolo tributário é elemento essencial daquilo que convencionamos chamar pacto federativo. Ele também deveria estar ligado a uma correta distribuição dos encargos entre os entes que compõem a Federação: União, Estados e Municípios (estes últimos a partir da Constituição de 1988). O que assistimos, contudo, ano após ano, ao arrepio da luta de vários governadores em 1999, e dos atuais governadores desde 2003, é uma cada vez maior apropriação exercida pela União sobre a renda gerada pelo setor privado ? farinha, ovos e fermento do bolo tributário ? e do próprio bolo quando sai do forno da economia nacional. Os números são alarmantes. Entre os anos de 1993 e 2004, a carga tributária total do Brasil, calculada em relação ao PIB, cresceu de 28,61 para 38,52%. Nos Estados, a receita do ICMS se mantém constante na faixa média dos 7,7% dos PIBs estaduais, sendo de 6,8% no Rio Grande do Sul. Esse fato mostra que os avanços da carga fiscal, em números absolutos e relativos, se fazem em favor da União. Tal fenômeno só pode ocorrer graças a um achado na cartola dos responsáveis pelas receitas da União: a mágica fiscal das assim chamadas contribuições (não compartilhadas com Estados e Municípios), que passaram a substituir o milenar instituto dos impostos (tradicional e constitucionalmente compartilhados). Assim, em 1983, 80% das receitas federais eram formadas pelo IPI e pelo IR. Hoje o peso desses tributos caiu para 40% na formação do caixa da União, enquanto as contribuições saltaram de 20% para 60%. E Brasília festejou nestes dias recorde histórico de suas arrecadações no ano de 2004: 333 bilhões de reais, significando um acréscimo de 10,6% sobre o ano de 2003, com a turbinada Cofins já representando 22% do total arrecadado. A desoneração fiscal das exportações, providência correta sob o ponto de vista do interesse público e das contas nacionais, significa dano terrível às finanças dos estados exportadores. No aspecto positivo dessa desoneração, as exportações brasileiras triplicaram entre 1997 e 2004. No seu aspecto negativo, contudo, os estados sofreram perda direta de receitas. Enquanto as exportações cresciam e as contas nacionais se beneficiavam de saldos nunca antes atingidos, o fundo destinado a compensar as perdas dos Estados se mantinha constante em pouco mais de três bilhões de reais e chegou a estar zerado nas previsões do orçamento federal para 2005. No Rio Grande do Sul, a desoneração das exportações dos produtos in natura e semi-acabados representou, em 2004, uma perda de 1,5 bilhões de reais. Destes, apenas 500 milhões foram ressarcidos. Tudo isso se agrava ainda mais porque, na extravagante federação brasileira, produtos industrializados e exportados num determinado Estado, geram créditos de ICMS pagos sobre matéria-prima de outra unidade da federação incluídos na sua produção. Uma verdadeira aberração agregada às demais que acabei de apontar como fatores a exigir um novo pacto federativo que restabeleça a necessária harmonia entre os entes federados. Precisamos regras claras e estáveis que eliminem a obrigação imposta aos membros da Federação de buscar em Brasília, como obséquio, o que lhes é devido por direito. A Federação brasileira precisa se tornar efetiva e solidária, com adequada repartição de direitos e obrigações.